quinta-feira, 31 de março de 2011

O destino e eu


De vez em quando, brigo com o destino e jogo suas petições no lixo. Depois ele volta supremo e mostra que quem manda é ele. Aí eu me curvo e aceito os vereditos até a primeira oportunidade de pular o muro e fugir dele de novo. Assim seguimos nossa saga de encontros e desenconcontros... não sei se ele me leva a sério, mas eu o levo! Como todo casamento, temos altos e baixos, mas estamos sempre lado a lado... há outro jeito?

quarta-feira, 30 de março de 2011

Tortos horizontes

De malas sempre prontas
a pele em febre,
sou a que se despede,
a que vive à flor da pele,
como um vulcão soterrado
que nunca explode.

De olhos entreabertos vejo o mundo
e, qual Ismália, na torre do castelo,
enxergo somente luas e tortos horizontes.
Sou pedra no caminho,
barco à deriva,
a que nunca está a tempo,
chega sempre depois... ou sai antes.



quarta-feira, 23 de março de 2011

Feridas abertas


O tenebroso do tempo
não é o que ele leva,
mas o que ele deixa
em fratura exposta.

Rápido ele passa
com os bons ventos,
mas lento se arrasta
nas feridas abertas
que deixa à mostra.


terça-feira, 22 de março de 2011

Vulcão em lavas


Eu te olhei
como uma ave
com vontade de voar.
Abri as asas,
fiz sinal com os olhos,
depois vesti meu desejo
com palavras.

Tu, elemento da água,
e eu, da terra,
feito
vulcão em lavas,
desafiando o ar,
com uma só asa
e sem chão onde pousar.

Reverdecer

Ao meu Zeca


Ter-te
foi reverdecer-me,
reaprender a andar
e a tatear o mundo
de olhos fechados.

Ver-te é renascer,
é crer-me infinita,
plena de poder
diante dos 'navios
ancorados no espaço'.



Espelho


À minha Ju

Ver-te sendo
é ver-me ser
como fui um dia.

Olhando-te,
vejo-me outra vez
amanhecendo
sem medo do que virá.

Contigo aprendo
o que fui,
o que sou
e o que serás.


 




Vazio


Ficou um vazio,
um preto e branco nas coisas,
como se tivessem todas
perdido a cor.
Ficou, como uma página em branco,
o  desejo de redesenhar a vida
quando já se haviam quebrado os pincéis
e secado todas a tintas.

Ficou tua ausência
ocupando-me os espaços
como uma falta que habita.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O peso dos dias


Se eu enlouquecesse
e borrasse o desenho da realidade
que nos afasta,
se eu desdenhasse
da dor que me aflige
e fingisse que ela está gasta
e não mais me atinge,
seria mais fácil
carregar o peso dos dias
e suportar as cinzas do tempo.
Mas não sei fazer de conta,
não sei representar.
Nunca soube ser levada pelo vento
ou tomar vinho para não morrer de sede.

Aprendi cedo que a verdade
está atrás do palco e não em cima dele.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Doer faz parte...

Todo crescimento requer um processo. Queimar etapas pode antecipar um ciclo, mas deixa sequelas, muitas vezes, definitivas. O homem que vê a borboleta se debatendo para abrir o casulo ajuda-a a sair, achando que está fazendo o bem; ela sai, mas não consegue voar, as suas asas não têm força. É que elas precisavam do esforço para maturar seu corpo e só então libertar-se. Liberdade antes do tempo é perigoso, implica riscos. Muitas crianças precoces perdem um pouco o sabor da infância; muitos adolescentes que são obrigados a assumir responsabilidades antes do tempo, depois de adultos, querem voltar a ser o que não puderam ser e se comportam de forma infantil, parecendo patéticos aos olhos de quem os observa. A verdadeira criança só se conserva no coração de quem realmente cresceu e sabe diferenciar e adequar prazer e obrigação; compromisso e descompromisso; seriedade e brincadeira, sem transferir culpas e responsabilidades.

Nietzsche diz que “é preciso um grande caos interior para parir uma estrela”. Ângela Ro Ro canta que “a liberdade está na dor”, entretanto, dor e sofrimento são despojos indesejados. Gostar deles implica uma patologia: o mazoquismo. À parte todo exagero, não é difícil admitir que a dor e o sofrimento são necessários, mas os recusamos como ervas daninhas. Ao primeiro sinal de uma dor física, tomamos logo um analgésico... se podemos ‘abortar’ o sofrimento de uma amor perdido, substituindo-o imediatamente por outro, por que não fazê-lo? Passado o efeito, todavia, a causa permanece a nos torturar.


Na verdade, não podemos (queremos) ser contrariados. Vivemos nos anestesiando com remédios, bebidas, ilusões. A alegria, nessa sociedade de aparências, virou uma obrigação, um passaporte para a vida de faz-de-conta a que (quase) todos se acostumaram em nome de uma felicidade postiça que insistimos em acreditar real. É preciso viver a dor, o luto pelas perdas, ir ao fundo do poço e juntar as ‘tralhas’ para jogá-las fora. Sem limpar a casa, como receber bem novos hóspedes? Como estarmos de braços abertos integralmente, sem receio de que caia alguma peça da armadura na qual insistimos em nos esconder, se a mantivermos em punho? Se não nos dispusermos a tirar a nossa máscara, um dia ela ficará definitivamente pregada ao nosso rosto e sequer nós mesmos nos reconheceremos no espelho da nossa alma.

STOP




A vida não parou, Drummond.
Nem o automóvel.
Todos seguiram.
Só eu fiquei imóvel
a ver navios encalhados,
como quem perdeu
o bonde e a esperança...



sábado, 5 de março de 2011

Silêncio antigo


 Há sempre uma casa
com seu silêncio antigo
e seus conhecidos fantasmas
a nos habitar.
Há sempre a memória
de um amor interdito,
dando a ilusão
de que felicidade é apenas
o que poderia ter sido.


O tempo vivido
guarda abismos que
devoram a carne do tempo.
O que nos pertence
é apenas o presente
(fugidio como uma brisa)
e a certeza de que eterno
é somente 
o que não se realiza.

Mar de sargaços


Esse mar que arrebenta dentro de mim,
com suas ondas em espirais,
inunda todos os vãos da minha alma
e, com a força dos dilúvios e dos temporais,
faz do meu corpo uma inabitável ilha.

Algas e sargaços me envolvem,
me invadem todos os dias,
e deixam no rastro das águas sombrias
o tumultuado silêncio
da indiferença - mortal armadilha.