quarta-feira, 16 de julho de 2014

Do mar que eu via em teus olhos restou apenas o naufrágio...

Aíla Sampaio




O tempo nos obriga a ir e a deixar ir... as pessoas passam, nós passamos. O que fica é a marca do que fomos, a marca do que foram os que amamos e, por alguma razão, tiveram que partir. É, Quintana, "quando chove, tudo faz tanto tempo"... saudades se desenterram e a poesia invade.

Aíla Sampaio

Sinto falta...






Sinto falta das sombras fartas sobre os quintais bem varridos da minha infância; do cheiro dos livros novos que marcavam o início de um novo ano; do perfume de alecrim que entrava pela janela do quarto, sempre aberta para a vida; da importância que tinha cada coisa nova que chegava. Sinto falta de não ter medo do escuro, de espreitar os relâmpagos nos dias em que chuva tamborilava nos telhados uma canção de paz. Sinto falta da voz do meu avô dentro das noites em que eu me escondia de mim mesma, encandeada pelos pirilampos, ensurdecida pelas cantigas dos grilos que ninavam o meu sono. Sinto falta da menina que eu quase fui, da criança que se fez sozinha no silêncio dos invernos, amedrontada pelas incertezas arrefecidas no cheiro de querosene das lamparinas. Não havia estrada. Eu mesma abri veredas com a foice do desejo e a avidez dos olhos que morriam de vontade de chegar aonde estou. Hoje, depois da travessia de todos os desertos, eu só queria encontrar o caminho de volta...

Aíla Sampaio