Não gosto muito de falar sobre questões de gênero. Gosto de falar sobre
pessoas, seres humanos, já que todos têm em comum a dor de existir. Mas,
sendo mulher numa sociedade patriarcal e machista, não posso deixar de tocar na
vulnerabilidade da minha condição, que é a da maioria. Diz uma prima que o homem
vive centrado no umbigo. São raros os que levantam os olhos para enxergar a
parceira em seus momentos graves, embora elas estejam atentas a todos os que
eles vivem. Não aceito isso como prerrogativa do masculino, entendo como
egoísmo pessoal, que pode ser apontado e refletido em ambos os sexos. Mas é fato que o
homem recua antes da exaustão. A luzinha vermelha deles acende antes da nossa e
ele opta por si mesmo a despeito do que está ao redor. E sobra pra quem?
Sobra para a mulher, que se desgasta e se estressa, mas
assume suas demandas ainda sem poder. Suas jornadas são múltiplas e intensas, sem direito a trégua. E ainda dizem que elas são as culpadas, pois fizeram essa escolha, que
permitiram. Talvez até tenham permitido, sim, certos abusos, mas não optaram por
trabalhar muito e estarem presentes na vida dos seus filhos, sobretudo quando
crianças, ensinando tarefas, levando para a escola e outras atividades, conversando, cuidando, educando. Fazem isso porque precisam e, na maioria das vezes, não têm com quem dividir, mesmo o parceiro estando em casa (e querendo a disposição dela todas as noites). Djavan fala muito dessa fase, quando canta: “sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar...”.
Mas isso não faz da mulher uma heroína. Nem uma mãe especial. Ela é sobrecarregada. E continua sendo quando os filhos crescem e tantos outros problemas da vida em comum e das demandas de trabalho aparecem. Continua acumulando funções, embora em
outra fase. Faz mil
coisas ao mesmo tempo e, no dia em que deixa de fazer uma ou reclama, é julgada. É considerada estressada, tóxica. Há quem não entenda que ninguém bate o carro porque quer;
ninguém toma atitudes drásticas em momentos extenuantes porque quer, ninguém
chora de desespero porque está bem. Tudo isso é reflexo da sobrecarga, da corda
esticada que se rompe. Mas às mulheres não é dado esse direito. Se gritarem,
são ditas histéricas; até dizem que são mal amadas. E de certa forma são.
Por isso hoje eu já chego batendo o pé na porta pra conseguir
entrar em meu mundo sem culpa. Chega uma hora na vida em que a opinião dos
outros tem pouco peso. Ela choca, magoa, mas bate e volta. A tecla do “dane-se”
se instala aos poucos na pele grossa de tanto apanhar da vida. Aí a gente quer perto apenas quem
soma. Não importa o que pensem, afinal, o que o outro pensa não
muda o que somos, a verdade do nosso coração. Como dizia o Rubem Alves, "não quero
ter razão, só quero ser feliz". No meu caso, transmuto tudo com a Chama Violeta e evito engatar a ré... Sigo em frente pregando paz e amor, mas fazendo guerra quando é
necessário. Afinal, nasci mulher! E mulher é desdobrável, né, Adélia? Eu sou!
Aíla Sampaio