quarta-feira, 15 de agosto de 2007

REDEMOINHO


Já me incomodou mais esse ininterrupto barulho do mar, remexendo minha memória. Esse silêncio intempestivo da clausura, sim, continua me impedindo de descansar em paz, interrompendo qualquer possibilidade de desaprisionar minha alma.
Tudo em volta é feito desse silêncio perturbador. Desde que os turistas e os pescadores tiveram certeza da fúria do redemoinho, a praia foi se tornando cada vez mais deserta, facilitando a imperecível vida dos fantasmas. Só eles ficaram e alguns nativos que não puderam abandonar suas taperas.
Passo a maior parte do tempo acompanhando o movimento das águas. As gaivotas aparecem em bando para beijá-las, mas não se demoram. Logo alçam vôo, como se não se importassem com a solidão que deixam para trás. Perco-as de vista e retorno às ondas enfurecidas a quebrarem na areia. Reagem contra o abandono. Depois se cansam da inutilidade da revolta e se acalmam; passam a correr brandas, como quem é submisso ao cumprir uma obrigação.
Quando havia turistas, pelo menos, eu restaurava a idéia da forma humana. Achava-os ridículos em seus chapéus com abas, em seus corpos besuntados e ávidos de lazer. Mas era bom ter notícias do mundo lá fora. Ultimamente, é só o uivo do vento batendo na porta e eu desarmada... absolutamente só no meu mundo.
Durante a madrugada ele se torna mais violento e eu tenho vontade de chorar, mas as lágrimas não saem; secam por dentro, impedindo um desabafo. Espero que ele se vá para poder sair, como faço todas as noites. Quem sabe Artur me aguarda na orla...
Vejo o redemoinho armando o laço e lembro aquela noite. Esperamos a ventania parar e saímos abraçados. Estávamos felizes, felizes demais para prever a separação. Nem pensamos em entrar no mar; só em contemplá-lo. Foi quando veio o desespero da sua mão a procura da minha. Ninguém viu o mergulho solitário de cada um de nós, tentando salvar o outro. Devo ter apagado primeiro, porque perdi de vista o seu balé angustiado no torvelinho louco das águas.
Quando caí em mim, dei com uma multidão compadecida, maldizendo a fúria da maré noturna, que devorava quem estivesse por perto. Eu restei na areia, como uma comida indigesta. Artur, nunca mais... Virou alga, sargaço, estrela do mar... Nunca apareceu. Desde então, fiquei aqui, esperando para partirmos juntos.
Não sei há quanto tempo colocaram essa laje sobre mim. Quando saio, sempre procuro uma data na lápide. Só encontro abandono na invasão dos ciprestes e o medo de nunca conseguir morrer.

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