terça-feira, 10 de abril de 2012

Quartos escuros

 

Tenho meus quartos escuros e, quando estou cansada, me tranco lá e não quero saber da luz do sol. É preciso estar bem pra enxergar a luz como claridade. Se estou mal, ela me encandeia.

É necessário desertar; é uma questão de sobrevivência a fuga da rotina de extraviar-se e ter que continuar andando. Temos o direito a nos desmontar de vez em quando, deixar que os cacos se espalhem, mesmo que dê trabalho juntar todos depois; mesmo que nunca mais consigamos juntar todos do mesmo jeito, mas teremos movimentado a nossa engrenagem, provado da nossa impotência, da nossa incapacidade humana, da nossa desnecessidade de ser infalíveis.

Sou assim, feita de remendos e retalhos; às vezes a costura fica à mostra; noutras, a tinta demora a secar, a cola escorre, mas, entre um recorte e outro, preparo os ouvidos para a ordem inevitável: "Levanta-te e anda!". É quando abro a porta, coloco as inquietações entre parênteses, e vejo a claridade do dia amanhecer-me para uma nova mesma história.


Aíla Sampaio

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