domingo, 22 de setembro de 2024

CICLO INEVITÁVEL

 



“Faz tempo, sim, que não te escrevo, ficaram velhas todas as notícias”, disse o poeta num soneto à mãe nos anos 40. A velocidade do tempo sempre nos atropelou. As notícias não caducavam rápido como hoje, mas já deixavam a sensação de obsoleto naquilo que ouvíamos e vivíamos. Hoje, então, nada podemos reter nas nossas mãos... Tudo é momento sugado pela fugacidade do instante.
    Amadurecer é acumular aprendizados com a idade e/ou as vivências. Mudamos, mas, em determinados contextos,  entendemos que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.  Quase tudo o que criticamos neles aparece em nós, como uma marca de nascença. Vamos nos transformando neles se não tivermos o cuidado de refletir sobre o que realmente vale a pena ser preservado, pois a herança comportamental não é uma imposição, pode ser aceita ou recusada de acordo com as nossas percepções dos modelos que tendemos a repetir.
    Os espelhos denunciam as marcas do tempo em nosso corpo, e os olhares, seguidos do pronome de tratamento áspero de senhor/senhora, nos dão o choque de uma realidade irreversível. Saímos do palco para dar lugar aos nossos filhos e netos, às gerações que se sucederam. É como se tivesse passado a nossa vez. Mas seguimos, num lugar à parte, como atores coadjuvantes na peça que escrevemos. Esse é um ciclo inevitável para quem não morreu cedo.

Aíla Sampaio
 
 
 
 

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