domingo, 22 de janeiro de 2012

Como os leitores interpretam os textos que leem?



Escrevo há muitos anos e observo que, assim como na vida as pessoas julgam as atitudes das outras, muitas vezes sem conhecê-las, inspiradas, certamente, em seu próprio modelo, na leitura do texto literário também ocorrem distorções propiciadas pelo mesmo comportamento. Essas minhas reflexões me levaram de volta à ‘Estética da Recepção’, teoria que considera a Literatura enquanto produção, recepção e comunicação, ou seja, uma relação interativa entre autor, obra e leitor.

Claro que não me interessa aqui historiar a teoria literária, mas apenas embasar o meu pensamento sobre a forma como as pessoas recebem o texto que leem. Gostar e não-gostar são reações muito subjetivas. O leitor comum, que não tem pretensões acadêmicas, busca apenas prazer no que lê, quer informação, deleite. Normalmente ele se identifica com textos românticos e existenciais, vê-se em cada palavra ou compreende, por meio dela, o que sentia, mas não sabia (ou conseguia) expressar.


Há, entretanto, uma diversidade de recepções, e isso também nos faz voltar à teoria da Obra Aberta, do Umberto Eco, quando ele diz: “toda obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação”. Pois bem: o que leva o leitor a uma determinada interpretação? Se o texto literário é condicionado pela relação dialógica entre literatura e leitor, certamente, ele interpreta o que lê de acordo com seus próprios referenciais, sua ideologia, sua cosmovisão, seu nível de leitura e, claro, sua circunstância atual.


O leitor ingênuo não lê com isenção. Cai rápido na armadilha do texto, não compreende as metáforas, faz uma leitura tão horizontal quanto o seu pensamento. Acha que tudo é recado pra ele e que há alguém colocando maldosamente o dedo na sua ferida.


O leitor emotivo se embriaga, se vê em cada palavra. Ele lê com o coração, descobre jardins atrás das frases, luas surgindo pelas frestas das sinestesias e janelas se abrindo em metonímias. Não é preciso saber o nome das figuras, só ultrapassar a camada superficial do texto e mergulhar nas entrelinhas, visitar os subtextos, como se visitam os desvãos da alma.


Há quem leia de arma na mão, exatamente como vive: sempre se defendendo do mundo, perseguido pelos próprios fantasmas. Esses leem com o fígado, com a bílis estourada, digerem os textos como se fossem gorduras, distorcem as mensagens, azedam qualquer doce com a amargura que mastigam todos os dias como o alimento que lhes dá sobrevivência (embora às vezes nem percebam).


Assim, aprendi que há leitores e leitores; que devo escrever e ficar preparada para nem sempre ser compreendida. Não tenho a pretensão de agradar a todos, mas tão-somente de expressar a minha verdade que pode, evidentemente, não ser a de muitas outras pessoas. Se uma só semente germinar, já terá valido a semeadura!

(Ei, falo do leitor comum, sem pretensões críticas e acadêmicas!)

Aíla Sampaio




(Gravura do quadro Leitora, de Renoir)

3 comentários:

  1. Olá, Aíla,

    Muito lúcido seu pensamento!Hoje em dia, cada vez mais, encontramos dificuldades tão grandes na compreensão dos textos, principalmente dos literários...dá uma pena! Porque ler é algo tão apaixonante e instigante, ainda procuro um cupido do amor pela leitura para acertar em cheio nossos estudantes. Abraço,

    Araceli

    www.pedradosertao.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Sua análise do fenômeno texto-leitor foi muito interessante, pois classificou quatro tipos de leitores: o acadêmico, o emotivo, o ingênuo e o felino (no que há de mais feroz no animal felino). Não há cupido que abra o coração e a mente dos alunos, mas há, sim, uma forma de ver e interpretar o lado belo (ou bom) da poesia e das coisas em geral. O máximo que se pode fazer é mostrar como as coisas podem ser vistas e analisadas.
    Oportuno o seu texto (bem o sabemos!).
    E está dando frutos.
    Bons frutos!

    ResponderExcluir
  3. Olá Aila ! Gosto demais de tudo que você escreve,
    e realmente há leitores de todos os tipos...Adoro passear pelas paginas feitas de emoção...sou do tipo emotivo e você escreve com o coração,esse texto diz tudo...cada qual pega de sua maneira, e como e bom ver as coisas com simplicidade e emoção.
    Abraços carinhosos.
    Marilene.

    ResponderExcluir