sábado, 21 de maio de 2011

Não acredito mais no pote de ouro no final do arco-íris



Acho que perdi a disposição pra ficar triste, mesmo que apenas de vez em quando. Também para pagar o preço por felicidades emprestadas, aquelas que, durante algumas horas levam às nuvens, mas, a qualquer instante, fazem desmoronar nosso ânimo e nos depositam na morada de Hades. Metaforicamente, claro. O tempo passou pro meu coraçãozinho e ele ficou comodista, não tem mais encanto por flechas de cupido, ao contrário, foge delas com medo da picada. Uma hemorragia a essa altura da vida pode ser fatal.



Não quero mais arrebatamentos, ansiedade se o amado não vem, insegurança se ele silencia por alguma razão. Não quero mais borboletas no estômago, a náusea da emoção desordenada; nem ficar alheia olhando o céu, quando o sinal já abriu e as buzinas nervosas dos carros azucrinam. Não, não quero mais esse estado de graça que, ao menor temporal, nos deixa em petição de miséria existencial.


Não quero mais arrastar correntes ou vagar pelo deserto quando houver desentendimento. Nada de comportar-me com subserviência diante de grosserias e descasos. Não desejo cobrar ou exigir o que quer que seja; o que vier terá de vir naturalmente como deve ser. Abro mão de dançar na chuva em pleno verão, desisto das constelações que poderia ganhar e do céu que sempre me prometeram mas nunca me deram. Desisto da insana sensação de amar para sempre, da ilusão de que existe eternidade... é tão breve o apogeu nas nuvens e tão dolorosa a queda... quero mais não!


Quero somente ter motivos para manter o sorriso, quero a transparência nos gestos e a verdade com suas botas de couro... chega de pantufas de lã que não preparam os pés para o chão áspero. Quero a embriaguez do vinho e os olhos fechados para as viagens mais longas; quero a certeza de que tenho os pés fixos à terra, por isso não vou cair a qualquer momento. Chega de vertiginosas derrapagens. O máximo que suporto é um inevitável tropeço.

No balanço da história vivida, virei muitas páginas, rasguei outras tantas e recomecei um novo enredo. A cabeça acima do coração, como Deus fez. A alma protegida das tempestades e o corpo quase pronto para ser apenas um corpo. Pode morrer a poesia, não posso pedir que fique se já não tenho como alimentá-la. Só não quero perder a vontade de acordar todas as manhãs, nem a sensação de que a vida pode recomeçar a cada dia.

Não acredito mais no pote de ouro no final do arco-íris nem em fadas que transformam abóboras em carruagens. Acredito apenas no que os meus olhos alcançam e as minhas mãos podem tocar. Amor platônico só é bonito na literatura... na vida, o bom mesmo é a realidade, ainda que com suas cores gris atrevessando o azul!



Aíla

Um comentário:

  1. Há algum tempo, li uma crônica do Dr. Edilson Santana que falava de eternidade e chamou-me atenção a frase:

    “O presente não passa e, no entanto, é só no presente que tudo passa (...)”.

    Se o passado não mais existe e o futuro ainda não se fez presente, então, só nos resta o presente. Essa crônica deu-me o que pensar...

    Com a idade começamos a discutir valores, não sei se a causa é a contagem regressiva ou a constatação de que a vida é só isso e isso é muito pouco. Não sei...

    Entro no seu blog e deparo-me com um texto seu e dele retiro esses fragmentos:

    “Desisto da insana sensação de amar para sempre, da ilusão de que existe eternidade... é tão breve o apogeu nas nuvens e tão dolorosa a queda... quero mais não! (...)

    Chega de vertiginosas derrapagens. O máximo que suporto é um inevitável tropeço. (...)

    Acredito apenas no que os meus olhos alcançam e as minhas mãos podem tocar. (...)”.

    Diante de tantas verdades para mim, fiquei a pensar: Pensamentos de poetisa? De ser maduro? Afinal, já dizia Fernando Pessoa que todo poeta é um fingidor! Não importa, adorei o texto. Você tem mais uma seguidora do seu blog.
    Graça Aquino

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