sábado, 16 de janeiro de 2010

De olhos entreabertos



Branco

meu corpo
nu
no espelho

Vê-lo
é quase ver-te
amanhecendo em mim
como o sol entre as nuvens


Vermelhos olhos
na aurora
à hora do café
e agora nada a dizer.
Só o dia não deixando nunca
de amanhecer por isso
e essa comedida dor
de ter que acordar
(mesmo assim)

Gado malhado no curral.
a fé na cura do bezerro,
o café na mesa – acesa a vida
em todos os poros da criança.
Era lá o destino de todos nós
até a aurora se partir.
Até a morte do bezerro
(também malhado)
na cocheira.


Lua cheia.
À noite,
me aborrecem os vagalumes
luz demais me encandeia.
Meu coração precisa acordar e amar
Cometer os mesmos erros
e
à beira da loucura
ressuscitar equilibrado


Morrerei mil vezes para te ter de volta
Não é verdade que eu te esqueci
ou então é mentira que sobrevivi
todo esse tempo
calando o pensamento
na inevitabilidade de cada passo.


Morreu de mim um pouco
Alguma coisa quebrou-se
e quer e recompor-se
sem que eu possa reagir à metamorfose.


Até imagino
teu corpo no meu corpo
meu corpo no teu corpo
nosso corpo nu...
a acordo só
E tu me vens logo à cabeça
és o meu primeiro pensamento.
Tu és o meu dia inteiro.


Vermelhos, quase molhados,
os olhos entreabertos como o coração crédulo
-um inocente a estilhaçar-se pelo asfalto-
E tua mão, antes amante,
agora a atirar-me no abismo.

Agora teu rosto sem sorriso
ignora meu gosto
quando antes a toda hora se fazia meu
na cor de qualquer batom
no tom da tez empalidecida
que parece emudecer


Na cocheira brinca o gado
algum passado retorna
na fotografia do pasto:
meu pai, minha mãe, meus irmãos,
- tudo o que era inevitavelmente meu


Tu nem existias nem sabias
que o mar era minha sina
nem de quanta guerra, de quanta paz
era capaz aquela menina.

(Aíla)

2 comentários:

  1. Belo poema amiga,porém triste e poetar tristeza é um dom divino.

    Beijão,querida

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  2. Aíla, belos os teus poemas. Todos.
    Parabéns, Poeta!
    Beijos

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