Poemas, contos, imagens... palavras e silêncios. Mergulhos e naufrágios de AílaSampaio
quarta-feira, 15 de agosto de 2007
VESTIDO DE NOIVA
Estou quase pronta. Não quero chegar atrasada à igreja, pois sei que Mário detesta esperar. Eu poderia estar mais feliz, se mamãe fosse menos intransigente. Tradição... fico questionando o sentido dessa palavra na minha vida. Detalhes... são importantes. São eles que fazem a diferença. Se não, tudo seria igualmente medíocre. Mas há detalhes e detalhes.
Termino de vestir a meia e calço os sapatos. Agora é a vez do vestido. Minha mãe ergue a saia para não amassar meu cabelo. Minha irmã segura a cauda com um certo sarcasmo nos olhos. Sente-se vingada. Quando foi a sua vez de vesti-lo, tive uma crise de riso. Não imaginava nunca que o meu dia fosse chegar.
Agora é o véu e a grinalda. Fico aborrecida com os prendedores espetando minha cabeça. Deveria estar tão feliz! O que parecia impossível se realizou. Serei uma senhora. Mário será eternamente meu daqui a alguns minutos. E com a bênção de Deus. Mas não estou, por causa da maldita tradição que mamãe insiste em seguir. E logo comigo. Eu que rompi com tudo...
Papai dirige o carro devagarinho por causa do calçamento. Está preocupado em não amarrotar meu vestido. Que ironia! Se pudesse correria e acabaria de vez com esse tormento.
Chegamos, enfim. Mário me espera no altar. Sinto-me no picadeiro de um circo. Deus me perdoe, não é nada contra a igreja, é contra mim. Piso o tapete vermelho. Papai enlaça seu braço no meu. A platéia está completa, à espera do palhaço. Já escuto as risadinhas e os tititis. Sucesso de bilheteria.
Vovó teve mais sorte; foi a primeira. Deveria ser pura como o vestido novo que ostentou. Com o tempo as mulheres mudam mas, segundo mamãe, os vestidos de noiva são eternos. Deve ser predestino. Mamãe quer que eu me veja como sou: encardida e sambada como o trapo que me fez vestir. Somos idênticos. Mas pode ser que não seja isso. Ela não sabe a filha que tem. Eu é que me percebo assim, por força da consciência.
Mário me estende a mão. Me diz sim diante do padre. Está seguro. É ingênuo. Não lhe importa a idade do vestido. Não conhece o que é vaidade. Nem a mim, verdadeiramente. Sinto dó de Mário. Escolheu uma mulher devastada. Quando cair em si, será tarde. O casamento religioso é para sempre; irreversível como o meu passado. Como o amarrotado do vestido que me fez a noiva mais transparente do mundo.
Tenho vontade de chorar. Não é emoção. É pressentimento.
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Já me incomodou mais esse ininterrupto barulho do mar, remexendo minha memória. Esse silêncio intempestivo da clausura, sim, continua me imp...
Opa!!!! Gostei do nome do noivo...rsrsrs...
ResponderExcluirUma situação amarga dessa noiva, um casamento sem prazer, levado por compromisso. Pode até ser lugar comum o que vou dizer agora, mas, quando existe amor real entre um casal, com todas as tempestades, poderá suportar a crise. Se o casamento se desfaz, faltou a realidade do sentimento mais poderoso do universo, o amor.
Lindo Conto.
Lindo conto...
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