quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O ÁLBUM E AS LEMBRANÇAS


Ela ficou com o álbum e as lembranças. Ele não fez questão; preferiu o prazer da liberdade que nunca perdeu de fato. A suntuosidade da cerimônia não foi garantia. O sim diante do padre, o juramento de fidelidade, a troca de alianças... encenação de um filme de curta duração e sem final feliz. Restaram as fotografias, a filha que já carregava no ventre quando subiu ao altar e um ano de péssima convivência.
Debruçada sobre o álbum, ela chorava. Quando deixou de ser amada? Não percebeu o momento nem teve a perspicácia de ignorar a indiferença dele. Agiu de forma infantil, arrumando a mala e batendo a porta sem uma lágrima nos olhos. Estava seca, nem lembrou que ainda o amava.
Quando, decidida, apertou o botão do elevador e tomou um táxi com a filha de um mês no colo, pensou ter tomado a decisão mais madura da sua vida. Era uma mulher, enfim; havia expurgado a menina mimada que ele tanto criticava. Retornou ao quarto de solteira, certa de que seria por pouco tempo. Ele iria buscá-la. Então ela iria impor as regras e, caso ele as aceitasse, seriam felizes. Se não... Estremeceu e desviou o pensamento. Estava insegura...
O terno e os olhos azuis, a barba aparada e o cabelo dourado resplandeciam no porta-retrato que retirou da bagagem. Vislumbrou aquela imagem e a moça de vestido branco, com uma cauda de metros de seda pura, o rosto iluminado. Nas mãos, um buquê de orquídeas recém-colhidas e outra mão apertando-a. Era ela. Quer dizer, fora ela, ainda cheia de sonhos e esperanças.
Agora era a mala por desfazer e a vontade repentina de chorar. Tinha segurado até ali; precisava desmoronar. Foi demais o sofrimento: grávida e abandonada em casa. Ele, nas noites, levando a vida de antes. De nada adiantou sua mãe dizer que todo homem era daquele jeito, com o tempo tudo se arrumaria.
Depois de tudo, ele ainda estendeu o olhar azul sobre ela, como se lançasse uma bandeira branca. Ela não quis ver. Não deveria. Fazia parte do jogo. Que padecesse. Só quando o visse de joelhos.
Chateado, ele deixou a barba crescer, sofreu mais uma semana e destilou a falta dela em algumas doses de uísque. Expurgou-a fácil, como o excesso de álcool, no chuveiro. Via-a escorrer pelo ralo, com a espuma. Nem pensou em se curvar.
Ela continuou debruçada sobre o álbum, acariciando as fotografias e as lembranças. Apostou e perdeu. Deixou para blefar quando o jogo já havia terminado. Não era dona da situação. Jamais fora.
Restava-lhe o consolo de que a moça do retrato, ao lado dele, era ela. Ali ficou selada para sempre a união. Ele não poderia negar. Deus havia abençoado. Tinha provas... Aquele momento congelado conservaria para sempre o frescor das orquídeas e a mão dele na sua. Preferia não ver que os sonhos e as esperanças haviam escorregado pelos seus dedos e caído em alto mar numa noite de tempestade. E que as orquídeas, como qualquer flor, perecem ainda mais rápido longe da solidez da raiz. Como o amor.

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