terça-feira, 14 de agosto de 2007

Monólogo a dois


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Meu desejo também era ficar assim para sempre amarfanhada nesses lençóis, enterrada nos teus braços, apertando-me ao teu corpo até atravessá-lo. Mas há um litígio lá fora e um mundo me acusando de louca porque nunca me permiti sê-la e perdi o direito.

Não é o mundo que te acusa, tu não consegues derrubar os muros que tu mesma construíste à tua volta. Fica, eu te peço. Faz por ti a doação desse direito; o preço não é mais alto do que o que pagas na reclusão. Fica até atravessar-me, até colheres a flor que eu já não tinha e me permiti brotá-la só para que pudesses tê-la.

Ainda ontem pela manhã nem tua ausência existia porque não te sabia ser sequer um rosto na multidão mutilada que me perpassa a toda hora. E agora, do nada és meu mundo inteiro, meu ar, meu Deus num altar que nem preparei.

Quando me interpelaste nervosa, vi em teus olhos qualquer coisa antiga que sempre havia sido minha e soube desde lá que chegara o momento de entregar as armas e levantar as mãos rendido como um guerrilheiro abatido pelo desperdício da luta, não pelo inimigo. Fica que é o que queres. Que é o que eu quero: despir-te a roupa que te enluva a pele e tocar-te como um escorpião que para sempre deixará a marca. Fica que te visto depois com os gritos que tens guardados à minha espera; com o meu corpo te visto da lembrança de seres a mulher que soterraste no medo da vida. Abrirei cada fenda cicatrizada e devolverei à luz tua alegria abortada em tantos gozos fingidos. Fica por ti. Concede a ti a doação desse direito.

Não duvide que aprendi no silêncio meu melhor tom de voz. É que eu estava a caminho de ti há tanto tempo que aprendi todas as lições e as guardo de cor. Vim sem saber que estavas a minha espera. Vim de esperar-te tanto sem saber que estavas em ti todo esse tempo como um desejo. Nessa trilha que percorri, foram muitos os enganos e desacreditei que pudesses passar de uma verdade só minha imaginada e vivida na vontade, apenas na vontade avassaladora de encontrar uma justificativa para ter nascido. Agora compreendi tudo. Ficar seria perder todas as incertezas e abortar o que pode para sempre ficar nas minhas entranhas. Recuso-me a ser tua para não correr o risco de um dia perder-te.

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