terça-feira, 14 de agosto de 2007

Crime sem castigo


Não era de ternura que ela precisava. Era pobre, pobre, muito pobre, mas tinha a dignidade do coque sobre a cabeça, preso por um grampo que ninguém desconfiaria enferrujado. E tinha dois olhos azuis encravados na pele leitosa, como duas dissonantes águas-marinhas.

Num domingo de maio conheceu Raimundo no culto. Tão limpo de alma que ela nem pensou num vestido melhor. Deu-se. Suas pobrezas entrelaçaram-se e... nem mais o coque se viu, o azul dos olhos se perdeu...

Por que se impressionara tanto com Raskolnikov? Por que o apanhara quando a patroa jogou-o no lixo? É meu, abraçou-o e nem o odiou quando assassino. Quis ser Sônia Marmielàdov. Amor de salvação. Logo depois veio Raimundo com sua alma limpa e os bolsos vazios. Ele era tão terno que ela nem o viu tão pobre. Castigo sem crime a pobreza. Redimiu-se por fim. Não quis mais ser personagem de Dostoiévski e partiu.

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