Não
existe um “novo normal”. Existe um mundo
desmoronado que precisamos remontar. “Novo normal” é para quem não entendeu que
a anormalidade já vinha de muito antes de essa pandemia suspender todas as
urgências. O “toque de recolher” já
estava sinalizado pelas agressões à natureza, pelo ritmo insustentável de vida
que quase todos levávamos, correndo atrás da sobrevivência material, pelo
consumo desenfreado, pelos egos inflados, pelo egoísmo nosso de cada dia. Não
quisemos ver nem ouvir os apelos.
Não
existe um “novo normal” depois da perda de tantas vidas, do descaso de muitos
com o ser humano transformado em números e estatísticas. Por mais que eu
entenda a vida como um ciclo que tem começo meio e fim, não deixo de refletir que muito sofrimento
poderia ter sido evitado se fôssemos pessoas melhores.
A
pandemia e o isolamento social desnudou o esqueleto de países subdesenvolvidos
como o nosso. As desigualdades sociais tomaram vulto e fomos obrigados a ver o
tamanho da ferida. O Leandro Karnal disse sabiamente que enquanto as classes A
e B morrem de tédio, confinadas em suas casas, os pobres morrem de fome. A
sensação de impotência me visita todos os dias e me vejo sentada sobre os
escombros, pensando sobre o que posso fazer.
Paralelos
aos problemas sociais e econômicos - fome, falência de pequenas empresas, desemprego,
mortes - estão os problemas pessoais
consequentes do confinamento obrigatório. Nunca as pessoas, talvez, tenham
convivido por tanto tempo com os familiares dentro de casa; nunca, talvez,
tenham ficado tanto tempo tendo que encarar a si mesmas. O exercício da cessão
do espaço ao outro, como o exercício do suportar-se, resultou em muitos
conflitos: desentendimentos, separações, depressão, ansiedade, entre vários
transtornos similares.
Poucos
entenderam a oportunidade dada de serem melhores, de buscarem autoconhecer-se
para, a partir daí, compreenderem melhor os outros. Tivemos que nos reinventar
profissionalmente, mas pensamos em nos reinventar como pessoas? O que
ressignificamos para melhorar o olhar
sobre o mundo, as pessoas e nós mesmos? Quantos alimentaram as insatisfações e
mergulharam no poço fundo da depressão, alimentando a água barrenta que
deixaram a vida acumular, sendo pássaro, mas querendo viver debaixo d’água como
se fosse peixe?
Essa
comparação usada pela psicanalista Fátima Landim dá toda a dimensão da
insatisfação humana: há peixes querendo voar como pássaros e há pássaros
querendo nadar como peixes. A irracionalidade da não obediência à natureza é a
raiz de toda angústia e, consequentemente, das doenças que gestamos lentamente
dentro de nós.
Sinto
esse momento de reclusão como uma oportunidade de estendermos o olhar para
dentro de nós, para a descoberta do ser divino que habita nosso corpo físico e,
senhores de nós mesmos e da nossa missão, lançarmos o nosso olhar para fora. É
olhando o mundo e sentindo-nos parte dele que nos tornamos capazes de nos
colocar no lugar do outro e sentir a sua dor. Nossa visão deve ser sistêmica,
ou seja, consciente de que todas
as coisas estão relacionadas e influenciam umas às outras. Estamos ligados pela
nossa humanidade, unidos pela tarefa de aprendizado e doação. Só precisamos
descobrir que todos somos um para melhorar o mundo e, claro, a nós mesmos.
Aíla Sampaio
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