terça-feira, 24 de maio de 2011

Mergulho




Quem olha o mar se procura
olha-se por dentro,
vê-se pelo avesso,
equilibrando-se
na instabilidade das ondas
e da alma.

Quem olha o mar
busca-se,
interroga-se
roga por si,
na oração do silêncio,
e mergulha-se.




segunda-feira, 23 de maio de 2011

Dores de estimação

Por mais que nos proclamemos felizes e bem-resolvidos, e até acreditemos nisso, todos temos os nossos ranços, uns guardados que resistem à faxina existencial que de vez em quando fazemos. Não por conta da formação católica e do cultivo à culpa cristã, mas pela própria natureza humana, temos as nossas dores de estimação. Em um dos seus poemas mais lúcidos (inclusive musicado pela Zélia Dunkan), Paulo Leminski diz “um homem com uma dor / é muito mais elegante / ... / carrega o peso da dor como se portasse medalhas / uma coroa um milhão de dólares / ou coisa que os valha / ópios édens analgésicos / não me toquem nessa dor / ela é tudo que me sobra” /.../. Não se trata de mazoquismo ou culto ao sofrimento, mas da admissão de uma postura comum exatamente às pessoas bem-resolvidas: temos o nosso porão, algumas portas íntimas hermeticamente fechadas, nossas dores imperecíveis.



Não é por isso que não somos felizes! O que é a felicidade senão momentos de distração? Essa arma quente, como canta Belchior, só dispara de vez em quando ou nossa vida seria um insuportável tiroteio de risadas. Só os loucos de pedra conseguem essa proeza. Nós, os aparentemente normais, oscilamos permanentemente entre o bom e o ruim, o bem e o mal e temos consciência da relatividade dos conceitos. A vida é uma gangorra e com ela nos movimentamos de acordo com nossa disposição de humor, com os acontecimentos que nos cercam e, sobretudo, com a nossa dor de existir que, não poucas vezes, se transforma em alegria de existir.


Quem vive num mundo desordenado como esse e só escuta canto de pássaros e barulho de cachoeira é alienado. O que nos faz  crescer não é a fuga aos problemas ou a evasão pelo sonho e pela fantasia; isso nos ajuda a transpor momentaneamente os obstáculos e a vislumbrar um horizonte possível à frente para não sucumbirmos. O que realmente nos impulsiona e nos torna maiores é a capacidade de transcendência a toda adversidade, a tudo o que contraria a nossa vontade e os nossos desejos mais particulares. A meditação só é válida como preparação para o enfrentamento das crises e das tensões. Somos, na verdade, quem mostramos ser nos momentos graves... só podemos dar o que temos. A forma como reagimos às contrariedades é que revela a nossa verdadeira face.


Martha Medeiros, em uma das suas crônicas, diz que Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas... eu digo que é a nossa capacidade de abstrair os sofrimentos inevitáveis, de conviver com as nossas dores e contrariedades, mantendo a mesma vontade de viver e a crença na humanidade.



Aíla Sampaio

sábado, 21 de maio de 2011

Narcissus por William T. Ayton




 
Tenho medo de narcisos, pois não sei ser alimento pra fome deles...

Aíla

Não acredito mais no pote de ouro no final do arco-íris



Acho que perdi a disposição pra ficar triste, mesmo que apenas de vez em quando. Também para pagar o preço por felicidades emprestadas, aquelas que, durante algumas horas levam às nuvens, mas, a qualquer instante, fazem desmoronar nosso ânimo e nos depositam na morada de Hades. Metaforicamente, claro. O tempo passou pro meu coraçãozinho e ele ficou comodista, não tem mais encanto por flechas de cupido, ao contrário, foge delas com medo da picada. Uma hemorragia a essa altura da vida pode ser fatal.



Não quero mais arrebatamentos, ansiedade se o amado não vem, insegurança se ele silencia por alguma razão. Não quero mais borboletas no estômago, a náusea da emoção desordenada; nem ficar alheia olhando o céu, quando o sinal já abriu e as buzinas nervosas dos carros azucrinam. Não, não quero mais esse estado de graça que, ao menor temporal, nos deixa em petição de miséria existencial.


Não quero mais arrastar correntes ou vagar pelo deserto quando houver desentendimento. Nada de comportar-me com subserviência diante de grosserias e descasos. Não desejo cobrar ou exigir o que quer que seja; o que vier terá de vir naturalmente como deve ser. Abro mão de dançar na chuva em pleno verão, desisto das constelações que poderia ganhar e do céu que sempre me prometeram mas nunca me deram. Desisto da insana sensação de amar para sempre, da ilusão de que existe eternidade... é tão breve o apogeu nas nuvens e tão dolorosa a queda... quero mais não!


Quero somente ter motivos para manter o sorriso, quero a transparência nos gestos e a verdade com suas botas de couro... chega de pantufas de lã que não preparam os pés para o chão áspero. Quero a embriaguez do vinho e os olhos fechados para as viagens mais longas; quero a certeza de que tenho os pés fixos à terra, por isso não vou cair a qualquer momento. Chega de vertiginosas derrapagens. O máximo que suporto é um inevitável tropeço.

No balanço da história vivida, virei muitas páginas, rasguei outras tantas e recomecei um novo enredo. A cabeça acima do coração, como Deus fez. A alma protegida das tempestades e o corpo quase pronto para ser apenas um corpo. Pode morrer a poesia, não posso pedir que fique se já não tenho como alimentá-la. Só não quero perder a vontade de acordar todas as manhãs, nem a sensação de que a vida pode recomeçar a cada dia.

Não acredito mais no pote de ouro no final do arco-íris nem em fadas que transformam abóboras em carruagens. Acredito apenas no que os meus olhos alcançam e as minhas mãos podem tocar. Amor platônico só é bonito na literatura... na vida, o bom mesmo é a realidade, ainda que com suas cores gris atrevessando o azul!



Aíla

sexta-feira, 20 de maio de 2011







 
Cansei de coisas mais ou menos, de pessoas razoáveis e situações quase.
A maturidade me fez exigente: quero a vida em sua inteireza, sem
gambiarra.










quarta-feira, 18 de maio de 2011

Recuso a liquidez



Termino de ler “Amor líquido”, do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, de quem já havia lido “Modernidade líquida”, e uma lágrima escorrega vadia dos meus olhos. É que toda fragilidade me comove. Sempre fui intensa e verdadeira nos sentimentos, e vê-los, de repente, feitos laços frouxos, que se desatam à toa, me deu uma imensa tristeza. Ter como estranha uma pessoa com que já se teve muita intimidade é muito doloroso.



Nasci numa época em que se comprava nas bodegas e tudo era anotado num caderninho. A garantia era a palavra. Amizade era uma relação séria, atávica até. Hoje tudo se dissolve num piscar de olhos, por motivos quase sempre banais (ou contornáveis com o diálogo e a compreensão mútua)... ficou machucada essa flor – a amizade – exposta aos espinhos da vaidade, do egoísmo, da incompreensão.


Viver num mundo líquido, quando não se sabe nadar, é dilacerante. Ninguém, ou quase ninguém, escapa do risco de escorrer entre os dedos dos outros, pois estamos todos globalizados na fluidez. Aprendemos, inclusive, a viver de modo estranho, protegidos por relacionamentos a distância. Não gostamos mais tanto de sair nem de receber visitas em casa... dá trabalho!


O que determina essa resistência ao contato físico com o outro? Bauman diz: “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. Fugimos, na verdade, dos nós apertados, temos medo de nos mostrar em nossas fragilidades, preferimos nos esconder atrás da imagem que criamos.


Sou real, talvez por isso não aceite conviver com a ideia de que somos ‘descartáveis’ como um objeto qualquer. Impressiona-me como as pessoas, com facilidade, perdem o espaço que ocupam na vida do outro, como abrem mão tão simplesmente do que cativaram... (não leram certamente “O pequeno príncipe”)! Recuso-me à liquidez, sobretudo recuso-me a aceitar perder as pessoas que em algum momento da minha vida foram importantes e, por uma circunstância qualquer, deixaram de ser (ou tiveram que deixar de ser). Não as elimino da minha vida como se extirpa um tumor, sem antes tê-lo diagnosticado como maligno. Não tenho a frieza dos sórdidos nem a dos fracos.


De acordo com as circunstâncias, seguro a impulsividade (benesse da maturidade), reorganizo as posições que as pessoas ocupam na minha vida, inverto as prioridades e fico esperando o mundo dar voltas. Calada. Quieta. Certa de que a vida deve ser reinventada todos os dias, mas o essencial deve permanecer intacto: o amor e a consideração aos sentimentos dos outros, independente do que tenha havido, pois, nesse, às vezes, injusto jogo da vida, nós, os delicados e aparentemente normais, sabemos quem é quem. Eu ainda acredito no ser humano, ainda acredito que nem tudo o que é sólido se desmancha facilmente no ar... definitivamente, recuso a vida líquida!

NADA REALMENTE ACONTECE POR ACASO?


Acredito que nada acontece por acaso. Mas acredito também que, muitas vezes, provocamos o acaso com as nossas atitudes. Nós, os aparentemente normais, nem sempre controlamos a ansiedade, nem sempre somos maduros o suficiente para aceitar críticas, nem sempre temos controle emocional para lidar com situações tensas. Não sabemos esperar. Agimos por impulso, precipitamos os fatos, tiramos a borboleta do casulo antes de amadurecidas as suas asas, depois culpamos o destino por ela não poder voar. A pressa para chegar nos faz pegar desvios e nos tira dos olhos o melhor da paisagem. Estamos constantemente atropelando o tempo, a fala das pessoas, os acontecimentos que poderiam ter tido outro desfecho se soubéssemos esperar o desenrolar natural das coisas.



Antecipamos o sofrimento quando não queremos sofrer e desistimos de um amor quando nos julgamos impotentes diante das dificuldades. Lembro-me sempre do poeta Gonçalves Dias, que foi incrivelmente irrealizado afetivamente, por ter desistido da sua amada, Ana Amélia, achando que ela seria mais feliz com um homem que pudesse lhe oferecer um futuro material abastado. Anos depois da separação, triste e cabisbaixo, reencontrou-a em Portugal, casada e infeliz, e ficou sabendo que ela teria preferido um futuro simples ao lado do homem que sempre amou: ele. O poeta escreveu o belíssimo poema “Ainda uma vez, adeus!”, mas não pôde voltar no tempo e reparar seu erro. Os dois ficaram para sempre privados do amor de sua vida. Leiamos uma parte do seu lamento tardio:

I
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias - bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!
IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
XII
Enganei-me!... - Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão.

Li esse poema pela primeira vez aos 10 anos e guardo até hoje o livro, mas acho que não aprendi bem a lição. Muitas questões ainda me afligem a respeito do que ocorre na nossa vida: somos meros bonecos à mercê do destino? Fomos predestinados a viver o que vivemos ou nos é cômodo nos isentar da responsabilidade sobre as escolhas que fazemos?

Nada deveria acontecer por acaso, mas somos, creio, inquietos demais para aceitar o que não queremos e deixamos a emoção interferir. Manipulamos, sim, as peças do quebra-cabeça do jogo da vida enquanto a Grande Criador medita... só não queremos assumir a peso da culpa e pagar o preço pelas escolhas erradas depois!


Aíla





sábado, 14 de maio de 2011

Tela vazia







Vejo-te
e é como se não te visse;
nem parece que já foste
a cor dos meus dias.

Maltratos e descuidos,
algaravias...
bastou isso pra descolorir
nossa aquarela
e esfumaçar teu vulto,
fazer-te apenas uma tela vazia.









sexta-feira, 13 de maio de 2011

Manhã outra vez







De súbito, um raio de sol  furou o escuro quarto em que dormia meu coração. Encandeado, ele vacilou, resistiu à luz e jogou-se dabaixo dos lençóis. Desacostumara de mesuras. Tornara-se monocórdico, acomodado aos pontapés da tanta indiferença de um sol de meio-dia que se pôs a amar sem proteção. Desde então, só queria sombra. Maltrapilho e desengonçado, só saía às madrugadas para juntar-se aos pardos. Mas eis que uma fresta se abriu no telhado - pancada de uma pedrada na calada da noite - e um raio insistente de sol fez manhã outra vez em sua vida. Chegara a sua vez de pulsar por algo que realmente valia a pena. Fez-se coração outra vez e saiu pra vida... arriscou-se à felicidade sem medo de novos crepúsculos.


 

Por que escrevo...





Costumo dizer aos meus alunos da disciplina Estética e Linguagem que a arte, além da função catártica de que falou Aristóteles, é, para mim, tão imprescindível e tão necessária como comer, ir ao banheiro e dormir. Ainda bem que a tenho para não morrer de verdade, como falou Nietzsche. Escolhi a literatura (ou ela me escolheu, já nem sei), porque ler e escrever são as minhas formas de conseguir equilíbrio e sobrevivência emocional. Por isso escrevo... para não ver as feridas abertas, para não sentir o coração em carne viva.



Escrevo para não gritar pela rua, feito louca que rasga a roupa e se desmancha em praça pública, na alegria legítima que só a insanidade permite; a diferença é que não nasci blindada pela inconsciência, pela ausência de censura, e tive que, a ferro e fogo, aprender a engolir as minhas dores... trago ainda muitas delas atravessadas na garganta e, quando chove, elas se movimentam, fazem barulho, para me mostrar que ainda estão vivas.

Escrevo para não morrer de repente de tédio; para não morrer de mágoa ou afogada em minhas próprias lágrimas. Escrevo para confirmar a minha existência; para sobreviver a mim mesma e aos meus enigmas; para não morrer à míngua ou exilada em meu próprio corpo. A palavra é o meu escudo! Com ela falo e escuto. Me visto e desnudo.Vivo e sobrevivo. Como infinito mistério, existo!

Preconceito

Todo preconceito é sinal de impotência, medo...os desastrados emocionalmente precisam extravasar o próprio vazio lançando seu ódio contra quem ameaça suas frágeis estruturas. Quanta tristeza me dá a constatação de que alguns adultos permanecem na infância e brincam de vida!

Guardar a criança que fomos é saudável, mas nunca soltá-la para crescer é doentio!

HOMENAGEM PÓSTUMA




Vivo
como se não existisses,
por isso vejo tudo
em preto e branco.

Pouco me importa
se estás vivo ou morto;
já não te procuro
já não oro por ti
já não caio em pranto.








quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sendo Feliz





Meu pavio é muito curto para as coisas ruins...não tenho paciência nem vocação pra ser infeliz, vítima eterna do destino. Acostumei-me a engolir seco às vezes, dormir sobre pedras, mas gosto mesmo é de conforto...deitar a alma em travesseiros macios e dormir sobre as plumas de uma consciência limpa. Atravesso esquinas escuras e já não tenho medo do que pode (ou quer) me fazer mal. Podem me  fazer sofrer, mas me vingo sempre sendo FELIZ!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

As pessoas

As pessoas passam pela nossa vida e o que deixam florescer tem a ver com a semente que plantaram. Algumas vão embora e a gente sente falta, um vazio enorme no coração. Outras deixam mágoas e sempre pensamos nelas com certa dor. Há as que deixam alívio, a leveza de quem deixa um peso no caminho. Há, ainda, as que não deixam absolutamente nada...pareciam importantes, mas, quando faltaram, nada faltou...é como se nunca tivessem existido!


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sem anestesia



Pequenas eternidades
fazem o meu mundo
de felicidades provisórias:
um pássaro na janela
uma flor que abre
- minúsculas epifanias
que mantêm os meus olhos abertos.

As feridas que nunca cicatrizam,
as dores sem analgésicos,
deixo que sangrem, que doam:
assim meu corpo, em carne viva,
veste cada hora como um unguento
e entrega ao tempo cada profundo corte.

Ter coração à mostra
é ter fratura exposta,
é viver todo dia
sem anestesia
o dia da própria morte.


Aíla

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Enganosa cor



É verdade que não és como pensei:
simples e puro como frutas colhidas no pé.
Tua polpa suculenta foi imaginação da minha boca,
da minha língua que, sem provar, criou teu sabor.

Talvez sejas apenas um pomo de ouro,
nas mãos de Éris,
ou sazonal fruto que deixa cair a casca
e mostra seu legítimo gosto, sua enganosa cor.





terça-feira, 3 de maio de 2011

Pessoas são como bichos





Há pessoas que são ternas como o canto dos pássaros. Elas conseguem acordar nossos melhores sentimentos e nos ensinar que somos livres para ser o que somos. Outras são como as abelhas: só fazem o doce da vida na própria colmeia; se saem dela, picam com seu ferrão, provocando terríveis dores. Há, ainda, as que são como escorpiões. A proximidade humana exacerba sua natureza nociva, e o veneno que escondem escorre nos traiçoeiros botes; vivem do poder danoso dos seus tentáculos, mas, sem eles, são apenas uma inútil carcaça. Salvo os casos patológicos, todos podemos escolher o bicho que nos é conveniente ser. Não esqueçamos, porém, que os bichos não têm alma; nós temos.


Aíla

Tão fundo mar



Tão fundo o mar
e tanta mágoa rasa
para afogar

a canoa virada
os remos largados
 os olhos no infinito
perdidos
e a vida à deriva
sem saber navegar
 
Quem vai nadar
em tão tristes águas
para me salvar?



Descalça


Parece que nasci descalça para andar em estradas com espinhos. Mas Deus fez os meus pés fortes. Sangram, mas logo saram e recomeçam a caminhada, porque é meu destino andar, seguir sempre em frente, a despeito dos vendavais e das marés cheias que me inundam de nostalgia. Tenho o coração em festa e a poesia, que é o meu 'pelo sinal', minha salvação... ninguém escolhe ser assim, em carne viva, simplesmente é e cumpre sua sina porque se vive não por escolha, mas por predestinação. Fugir do destino é atrasar o curso da própria história.