quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Mulher é desdobrável

 


Não gosto muito de falar sobre questões de gênero. Gosto de falar sobre pessoas, seres humanos, já que todos têm em comum a dor de existir. Mas, sendo mulher numa sociedade patriarcal e machista, não posso deixar de tocar na vulnerabilidade da minha condição, que é a da maioria. Diz uma prima que o homem vive centrado no umbigo. São raros os que levantam os olhos para enxergar a parceira em seus momentos graves, embora elas estejam atentas a todos os que eles vivem. Não aceito isso como prerrogativa do masculino, entendo como egoísmo pessoal, que pode ser apontado e refletido em ambos os sexos. Mas é fato que o homem recua antes da exaustão. A luzinha vermelha deles acende antes da nossa e ele opta por si mesmo a despeito do que está ao redor. E sobra pra quem?

Sobra para a mulher, que se desgasta e se estressa, mas assume suas demandas ainda sem poder.  Suas jornadas são múltiplas e intensas, sem direito a trégua. E ainda dizem que elas são as culpadas, pois fizeram essa escolha, que permitiram. Talvez até tenham permitido, sim, certos abusos, mas não optaram por trabalhar muito e estarem presentes na vida dos seus filhos, sobretudo quando crianças, ensinando tarefas, levando para a escola e outras atividades, conversando, cuidando, educando. Fazem isso porque precisam e, na maioria das vezes, não têm com quem dividir,  mesmo o parceiro estando em casa (e querendo a disposição dela todas as noites). Djavan fala muito dessa fase, quando canta: “sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar...”. 

Mas isso não faz da mulher uma heroína. Nem uma mãe especial. Ela é sobrecarregada. E continua sendo quando os filhos crescem e tantos outros problemas da vida em comum e das demandas de trabalho aparecem. Continua acumulando funções, embora em outra fase. Faz mil coisas ao mesmo tempo e, no dia em que deixa de fazer uma ou reclama, é julgada. É considerada estressada, tóxica.  Há quem não entenda que ninguém bate o carro porque quer; ninguém toma atitudes drásticas em momentos extenuantes porque quer, ninguém chora de desespero porque está bem. Tudo isso é reflexo da sobrecarga, da corda esticada que se rompe. Mas às mulheres não é dado esse direito. Se gritarem, são ditas histéricas; até dizem que são mal amadas. E de certa forma são.

 

Por isso hoje eu já chego batendo o pé na porta pra conseguir entrar em meu mundo sem culpa. Chega uma hora na vida em que a opinião dos outros tem pouco peso. Ela choca, magoa, mas bate e volta. A tecla do “dane-se” se instala aos poucos na pele grossa de tanto apanhar da vida. Aí a gente quer perto apenas quem soma. Não importa o que pensem, afinal, o que o outro pensa não muda o que somos, a verdade do nosso coração. Como dizia o Rubem Alves, "não quero ter razão, só quero ser feliz". No meu caso, transmuto tudo com a Chama Violeta e evito engatar a ré... Sigo em frente pregando paz e amor, mas fazendo guerra quando é necessário. Afinal, nasci mulher! E mulher é desdobrável, né, Adélia? Eu sou!


Aíla Sampaio


 

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